27 março 2006

José Maria Porto, o Zeca

É bastante difícil dar, a quem não conviveu com o Zeca Porto, uma idéia que faça jus ao grande homem que foi, e o interessante é que quem o conheceu já fazia idéia disso logo nos primeiros momentos.
Quando falamos “grande homem” logo imaginamos um sujeito austero e circunspecto, com graves preocupações a marcar-lhe o semblante e sem tempo para o menor divertimento, um sujeito empolado, presunçoso, sem humildade e inatingível. Nada mais distante do Zeca Porto, pois sua grandeza provinha do melhor recanto da alma, daquele lugarzinho onde guardamos nossas mais caras experiências que a vida nos proporcionou e que, para ele, moldaram uma visão privilegiada e compassiva do ser humano, a ele que via em cada um, fosse quem fosse, até mesmo os desgraçados maltratados que não conhecia, uma pessoa a merecer a mesma sincera atenção que dedicava aos seus irmãos queridos.
Nasceu em Campinas no dia 10 de junho de 1903, filho de Florindo Porto e Maria Clara Ferraz, a Lóca, ele da Bahia e ela de Itu, de famílias de brasileiros das mais antigas. Os pais pediram ao avô materno que fosse registrar a criança recém nascida, o que efetivamente o avô se dispôs a fazer. Porém, quando chegou ao cartório, ele se esqueceu se a criança era menino ou menina e, para não perder a viagem, resolveu registrá-la como José Maria, raciocinando que se fosse menina seria fácil mudar o nome para Maria José. E José Maria ficou, apelidado de Zeca pelos irmãos e pela família.
Ah!, o Zeca Porto! Tinha ele o dom de compreender as pessoas, de entender as aflições por que cada um passava, de adivinhar o peso que todos carregamos muitas vezes secretamente, de dizer as palavras que traziam alento aos que tudo perderam, alegria aos mergulhados na tristeza e, sobretudo, conforto aos desesperados. E via com olhos de menino o passarinho cantando no pé de cabeluda, tinha olhos para ver e se alegrar com os raios de sol se esgueirando por entre as folhas das árvores, e, meu Deus do céu!, quando fazíamos alguma coisa errada, tinha ele olhos de ver dentro da gente e descobrir tudo – mas os olhos do Zeca Porto diziam que nos entendiam e sabiam que tentaríamos não errar mais.
Mas um homem assim não se faz da noite para o dia. Não, não, é preciso viver muito, e estudar, muito saber e conhecer. Pequeno ele já intuía que assim tinha de ser. A irmã contava que ele, menininho morando numa fazenda onde o pai era administrador, tinha uma carrocinha feita de caixote e puxada por um bodinho. O que mais poderia querer um menininho que tinha tudo o que poderia querer um menininho daquela época, primeira década do século passado, vivendo na fazenda de café? Pois ele queria mais, queria estudar numa escola na cidade onde aprendesse de verdade.
Tanto quis que seu pai consentiu em matriculá-lo em uma escola em São Paulo. Pois quando o menininho recebeu a notícia de que iria embora estudar, correu na maior alegria soltar o bodinho da carrocinha e foi-se embora de trem para o Colégio Coração de Jesus onde ficou em regime de internato, visitando seus pais nas férias.
Nesta escola, menino pobre entre meninos mais abastados, tentava e tentava dar às suas botinas de raspa o mesmo brilho das botas lustrosas dos colegas mas, por mais graxa que passasse, nunca conseguia. Para ir ao cinema o pequeno Zeca também precisava de criatividade, uma vez que, sem dinheiro, se oferecia para ficar jogando baldes d’água na tela, que naquela época precisavam ser resfriadas para não se incendiarem.
Não era fácil ser diferente, o menino que começava na lida da vida ainda não tinha entendido que a diferença de ter nada era perante a diferença de ser.
Era tempo de aprender não só as lições dos mestres, mas de se situar e perceber no mundo, de se ver dependente tão só das próprias forças, de começar a se conhecer. Era tempo de muito tempo mais.
Devagarzinho, aos poucos, talvez por seu espírito inquieto e cheio de curiosidade pelo mundo, que o fez nascer aos sete meses de gestação, talvez por efeito do internato, foi lhe surgindo vontade de conhecer o mundo e disso decidiu ser marinheiro de longo curso. De novo insistiu com a família até que um tio conseguiu uma audiência do menino com o ministro da Marinha – e lá se foi sozinho para o Rio de Janeiro falar com o ministro e tão bem falou que o ministro deu uma autorização especial ao Zeca Porto para ingressar na marinha mercante. Como tinha apenas quatorze anos, insuficiente para ingressar na marinha, tiveram de aumentar-lhe a idade em um ano.
Foi uma época da qual sempre falou com saudade e carinho, falava de Liverpool, Nova Iorque e outros portos e outros países. Trabalhava duramente o grumete e, vivo como era, logo aprendeu a ler cartas náuticas, a calcular e marcar nos mapas os pontos do percurso que o navio seguia. Foi menino e voltou homem.
Na volta da primeira viagem, após meses de viagem, desceu do “Goyás” no porto de Santos com o primeiro pagamento no bolso e, ingenuamente, aceitou um convite de outros marujos do navio para jogar baralho a dinheiro. O grumete perdeu neste jogo tudo o que ganhara com seu trabalho de marinheiro, mas ganhou dura lição de vida: neste mundão temos de saber quem são nossos amigos de verdade e quais os caminhos corretos. Claro que nunca mais arriscou dinheiro no jogo.
Quando resolveu deixar a vida no mar, foi morar em São Paulo, onde começou a trabalhar como guarda-livros, profissão que hoje chamamos de contabilista. Nestes tempos, como gostava de música clássica e não tinha recursos sobrando, arranjou trabalho na claque do Teatro Municipal, com a função de aplaudir os concertos e apresentações, em troca do ingresso para ouvir a música que tanto amava.
Uma noite, em uma quermesse na igreja Nossa Senhora da Boa Morte, no Bairro Alto, em Avaré, uma mocinha de nome Helda, que lá estava com suas amigas, ao ver o Zeca chegando e sem nem mesmo conhecê-lo, falou para as amigas que era aquele o moço com quem se casaria.
Se os céus estavam atentos à mocinha ou se eles já estavam predestinados um ao outro, não se sabe, mas efetivamente Zeca veio a se casar com Helda, filha de imigrantes austríacos que mantinham uma escola em Avaré, onde lecionavam.
Os primeiros anos da vida de casado de Zeca se passaram em São Paulo, onde nasceu Suzy.
Mais tarde voltou com a família para o interior e foi trabalhar como guarda-livros na mesma fazenda onde viveu quando menino. Nasceram ainda Vera e Bebeco.
Daí por diante foi uma vida de trabalho, com períodos de muita dificuldade e outros de tranqüilidade, sem nunca esmorecer ou se deixar abater, pois sua postura perante a vida era de lutar como pudesse, sem perder de vista que a vida se construía dia por dia e que após serem plantadas as árvores, era necessário ter paciência para vê-las frutificarem.
Num dos períodos de dificuldades, sua irmã perdeu o marido e só pôde sobreviver com seus filhos com a ajuda do irmão Zeca, que também não tinha muito para sua própria família. Tão pouco tinha que, chegado o primeiro natal que os sobrinhos iriam passar sem o pai, o tio Zeca levou para os sobrinhos os presentes que não teve como comprar para os próprios filhos.
Passados anos, se envolveu em política e chegou a ser eleito vereador por duas vezes, depois não mais se candidatou por ter entendido que sozinho pouco podia fazer contra uma maioria que não pensava nos interesses do povo. Na tentativa de levar outras pessoas decentes para a Câmara, pedia votos para os companheiros e não para si.
Contava que tinha sido lenheiro na época dos trens a vapor, a Maria Fumaça, fornecendo lenha para alimentar as fornalhas das locomotivas. Foi aí o começo de sua carreira de empresário, dedicando-se na Associação Comercial ao desenvolvimento do comércio avareense. Nos últimos vinte anos de sua vida foi sócio e diretor da concessionária Volkswagen em Avaré.
Era leitor demais, lia de tudo, admirava principalmente a Dostoievski e tinha biblioteca imensa. Teve vontade de se tornar escritor, mas disse que a vida muitas vezes nos leva por lugares inesperados, que muito teve de trabalhar e por isso não pôde se dedicar à literatura.
Uma noite acordou com o quarto iluminado e sentiu a cama como que flutuando no ar. Profundamente impressionado, conversou com amigos espíritas, que lhe disserem ter ele mediunidade e que esta deveria ser desenvolvida. Assim, estudou a doutrina espírita de Allan Kardek e a praticou com seriedade e discrição por toda a vida. Como nos explicava, nossas passagens pela Terra eram oportunidades dadas ao espírito para progredir e aperfeiçoar cada vez mais. Cada uma das reencarnações seria um dom e uma prova que fazem sentido quando vemos todas as vidas em conjunto, quando percebemos a trajetória que percorremos. Usando seu conhecimento de marinheiro, dizia que a encarnação seria como um ponto na carta náutica, que ali naquele lugar e momento muitas vezes estamos à mercê de uma tempestade que pode nos desviar do rumo, que pode nos atrasar, que pode nos fazer naufragar e ter de recomeçar tudo de novo, mas que o significado de toda esta labuta, de todo este aprendizado que não poucas vezes é penosíssimo, de todo este caminhar que por momentos nos parece incompreensível, é nos aproximar de Deus.
Este caminho não é fácil e, novamente o marinheiro fala, quando encontramos outros navegantes em dificuldades é nosso dever ajudá-lo, pois não sabemos se no dia de amanhã seremos nós a precisar de socorro, ou se no passado dele precisamos.
Esta visão da jornada humana lhe dava a característica mais difícil de ser aceita por nós outros: a compreensão de que o homem mau é um homem muito imperfeito, como todos nós fomos alguma vez, que precisa de ajuda para encontrar o caminho do bem e que em algum um dia, alguma outra vida, será bom. Por isso, não julgava, não guardava rancor, não abrigava o ódio em seu coração e, se estivesse ao seu alcance, buscava ajudar da melhor forma.
Partiu para novas vidas em 30 de janeiro de 1984, ainda sentimos seu calor humano mesmo passados vinte anos, e, com certeza, em algum lugar nos reencontraremos.
Certamente ele não aprovaria estes escritos, avesso que era às semostrações. Mas, imperfeitos que somos, não pudemos resistir à vontade de contar um pouco do grande pai e avô com que Deus nos abençoou.

Avaré, 03 de Abril de 2004. Crônica de Marcelo Porto Rodrigues

20 março 2006

Duque, sua pequena história


Duque de Avaré.
(talvez o único em Avaré)

(senhor de um ducado;
título honorífico que, em Portugal, é imediatamente inferior o de príncipe;
pedra ou carta de jogar que tem dois pontos;
variedade de videira;
ant., título dado ao comandante militar das tropas romanas acampadas nas províncias. )

Apesar de toda essa pose nobre e fidalga o Duque também teve os seus dias de cão. Depois de anos ao lado de seu querido dono e companheiro, um militar aposentado de nome Joaquim, que lhe dedicava muito carinho e atenção. Podia-se ver os dois sempre juntos em longas e diárias caminhadas, o Duque a frente como um fiel escudeiro fazendo amigos e demarcando territórios que até hoje são os seus pontos de lazer.
Mas a vida um dia se acaba e não foi diferente com o Duque, o Sr. Joaquim morreu deixando-o só pelas ruas em busca dos amigos de outrora aos quais sempre saudava com um largo sorriso a troco de um simples carinho ou talvez até um pouco de comida. Seu sofrimento não acaba aqui, em uma de suas busca por comida o Duque foi enxotado por um
ser dito racional, que, com a única arma que conhecia, o ódio, arremessou uma panela de água fervente sobre ele que lhe deixou uma marca que até hoje traz em seu dorso. Enfim, como sempre, depois da tempestade vem a bonança hoje o Duque tem o seu Castelo, novos amigos e companheiros e a cidade toda de Avaré para passear e fazer novos amigos.


28 dezembro 2005

Vista de Avaré

Vista de Avaré por J R Fonseca
Estância Turística de Avaré. Lat. 23 05' 55" S - Long. 048 55' 33" W
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26 dezembro 2005

Santuário

Santuário Nossa Senhora das Dores por J R Fonseca